Promessas - Epitácio Mendes Silva


Promessas, guerras, conflitos,
 fazem a hora da existência 
 e a certeza é uma só:
 o amanhã será sombrio! 

 Promessa que não se cumpre
 vai matando a esperança 
 e a guerra que busca a paz
 traz a insegurança da paz.

 Felizes os loucos e inocentes 
 que vivem das fantasias
 e que das promessas não conhecem
 o lado das traições. 

Epitácio Mendes Silva

Se eu me precipitasse — Paulo de Toledo


se eu me precipitasse
em um precipício
e esse fosse a princípio
uma boca que falasse

e essa decidisse
pôr fim à queda e à sua falácia
e predissesse
qual um vate que musas invocasse

meu destino
e o mais que me coubesse
eu principiaria a rir
como se risse
fosse o passe de mágica
que transfigurasse
o que parecia inevitavelmente trágico
na mais despretensiosa tolice

Paulo de Toledo


Amor — Álvares de Azevedo


Amemos! quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu'alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!

Quero em teus lábios beber
Os teus amores do céu!
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d'esperança!
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!

Vem, anjo, minha donzela,
Minh'alma, meu coração...
Que noite! que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!

Álvares de Azevedo



Um desejo - Gonçalves Ribeiro


O homem cansado,
sentado à mesa,
sozinho em seu mundo,
faz distraidamente um barquinho de papel.

E o barquinho vai crescendo, crescendo
até transformar-se num soberbo navio.
O homem embarca apressado
e o navio parte vagarosamente,
deixando o tédio sobre a mesa.

E o homem tem agora
uma expressão aventureira.
Suas mãos transformaram-se em mares
para a viagem impossível
do barquinho de papel.


(Gonçalves Ribeiro)



Mundo criança — Gonçalves Ribeiro

Aos olhos da criança,
o mundo parece
um brinquedo mágico.
Promessa de alegria,
certeza de prazer.

Magia que está nos olhos
que conhecem
o segredo do sonho.
Olhos que acreditam,
que confiam,
que esperam.

Ah! se o mundo se transformasse
no mundo que vive dentro
dos olhos da criança!


Gonçalves Ribeiro




A efêmera eternidade do sonho — Fagundes Varela


Uma triste cabeça de mármore, rolando
pela estreita ladeira da mansão em ruína,
imobiliza-se entre a relva silenciosa
do abandono.

Na expressão de pedra, os olhos fitam
o escombros que se iluminam
com o esplendor da manhã.
Resto de estátua, resto de sonho...

Olhos que parecem surpresos
diante da ruína do solar
e diante da própria ruína...
E traduzem o engano
das mãos do artista
que pensou gravar na pedra
a eternidade do sonho.


Fagundes Varela



Sextilhas - Fagundes Varela


Amo o cantor solitário
Que chora no campanário
Do mosteiro abandonado,
E  a trepadeira espinhosa
Que se abraça caprichosa
À forca do condenado.

Amo os noturnos lampírios
Que giram, errantes círios,
Sobre o chão dos cemitérios,
E ao clarão de tredas luzes
Fazem destacar as cruzes
De seu fundo de mistérios.

Amo as tímidas aranhas
Que, lacerando as entranhas,
Fabricam dourados fios,
E com seus leves tecidos
Dos tugúrios esquecidos
Cobrem os muros sombrios.

Amo a lagarta que dorme,
Nojenta, lânguida, informe,
Por entre as ervas rasteiras,
E as rãs que os pauis habitam,
E os moluscos que palpitam
Sob as vagas altaneiras!

Amo-os, porque todo mundo
Lhes volta um ódio profundo,
Despreza-os sem compaixão!
Porque todos desconhecem
As dores que eles padecem
No meio da criação!

(Fagundes Varela)

Surpresa - Fagundes Varela


Chegou a bela estação
Em que rebentam as flores,
Também no meu coração
Rebentam novos ardores.

Busquei minha caprichosa
Na sala, alcova e cozinha:
Foi colher algum rosa
Talvez em lembrança minha.

▬ Pois bem, falei eu comigo,
Surpresas quiseste, amor?
Vou mostrar como consigo
Trazer a mais linda flor!



Corro, corro a largos passos,

Busco em vão um bogari!...
Mas ela voa a meus braços
E diz alegre: "eis-me aqui"!


(Fagundes Varela)



Novamente - Gonçalves Ribeiro


Ah! esse vento frio de outono,
que desengana as folhas das árvore...
Folhas que se amesquinham
no desprezo das calçadas...

A árvore vai ficar só.
Vai ficar só novamente
na solidão do abandono.
Porém, a vida persiste
dentro da morte ilusória.
E novamente
a árvore sonhará folhas
para que não se eternize
a aparência da morte.

No outono de esperanças,
a alma também se desfolha,
e parece morta.
Porém somente repousa
se a seiva dos sonhos
permanece viva
sob a esterilidade da descrença.


(Gonçalves Ribeiro)



Meu anjo - Álvares de Azevedo


Meu anjo tem o encanto, a maravilha,
Da espontânea canção dos passarinhos;
Tem os seios tão alvos, tão macios
Como o pêlo sedoso dos arminhos.

Triste de noite na janela a vejo
E de seus lábios o gemido escuto.
É leve a criatura vaporosa
Como a froixa fumaça de um charuto.

Parece até que sobre a fronte angélica
Um anjo lhe depôs coroa e nimbo...
Formosa a vejo assim entre meus sonhos
Mais bela no vapor do meu cachimbo.

Como o vinho espanhol, um beijo dela
Entorna ao sangue a luz do paraíso.
Dá morte num desdém, num beijo vida,
E celestes desmaios num sorriso!

Mas quis a minha sina que seu peito
Não batesse por mim nem um minuto,
E que ela fosse leviana e bela
Como a leve fumaça de um charuto!

(Álvares de Azevedo)

Anímico - Bruna Lombardi


Nossa história está escrita
dentro de cada célula
só não sabemos lê-la
ainda

dentro de nós existe
a resposta que buscamos
só que não a procuramos
bem

o nosso lado mais sábio
ainda se esconde da gente
e vamos nascer novamente
até saber


           (Bruna Lombardi)

Dispersão - Mário de Sá Carneiro


Perdi-me dentro de mim 
Porque eu era labirinto 
E hoje, quando me sinto.
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida 
Um astro doido a sonhar. 
Na ânsia de ultrapassar, 
Nem dei pela minha vida... 

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje: 
O tempo que aos outros foge 
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris 
Lembra-me o desaparecido 
Que sentia comovido 
Os Domingos de Paris: 

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza, 
E os que olham a beleza 
Não têm bem-estar nem família).

O pobre moço das ânsias... 
Tu, sim, tu eras alguém! 
E foi por isso também 
Que me abismaste nas ânsias.

A grande ave doirada
Bateu asas para os céus, 
Mas fechou-as saciada 
Ao ver que ganhava os céus.

 Como se chora um amante,
 Assim me choro a mim mesmo:
 Eu fui amante inconstante 
 Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro 
Nem as linhas que protejo: 
Se me olho a um espelho, erro - 
Não me acho no que projeto. 

Regresso dentro de mim
Mas nada me fala, nada! 
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim. 

Não perdi a minha alma, 
Fiquei com ela, perdida. 
Assim eu choro, da vida, 
A morte da minha alma.

Saudosamente recordo 
Uma gentil companheira 
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi... Mas recordo 

A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido 
Que vem na tarde doirada. 

(As minhas grandes saudades 
São do que nunca enlacei. 
Ai, como eu tenho saudades 
Dos sonhos que sonhei!... )

E sinto que a minha morte - 
Minha dispersão total -
Existe lá longe, ao norte, 
Numa grande capital. 

Vejo o meu último dia 
Pintado em rolos de fumo, 
E todo azul-de-agonia 
Em sombra e além me sumo. 

Ternura feita saudade, 
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade 
Em face dessas mãos brancas...

Tristes mãos longas e lindas 
Que eram feitas pra se dar... 
Ninguém mas quis apertar... 
Tristes mãos longas e lindas...

Eu tenho pena de mim,
Pobre menino ideal... 
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

Desceu-me n'alma o crepúsculo; 
Eu fui alguém que passou. 
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal 
Me penetrou vagamente 
A difundir-me dormente
Em uma bruma outonal. 

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida 
Eu sigo-a, mas permaneço...

Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba.


(Mário de Sá Carneiro)


Os dois lados — Murilo Mendes


Deste lado tem meu corpo
tem o sonho
tem a minha namorada na janela
tem as ruas gritando de luzes e momentos
tem meu amor tão lento
tem o mundo batendo na minha memória 
tem o caminho pro trabalho.

Do outro lado tem outras vidas vivendo
da minha vida
tem pensamentos sérios me esperando na
sala de visitas
tem minha noiva definitiva me esperando
com flores na mão,
tem a morte, as colunas da ordem e da desordem.


(Murilo Mendes)




Dialética — Vinícius de Moraes


É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz

Mas acontece que eu sou triste...


(Vinícius de Moraes)


Soneto da separação - Vinícius de Moraes


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.


(Vinícius de Moraes)

Soneto a quatro mãos - Vinícius de Moraes


Tudo de amor que existe em mim foi dado.
Tudo que fala em mim de amor foi dito.
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.

Tão pródigo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fiquei proscrito.
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.

Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.

Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano.


(Vinícius de Moraes )