Zeresenay Alemseged procura as raízes da humanidade

    O paleoantropólogo Zeresenay Alemseged procura pelas raízes da humanidade nas terras desérticas da Etiópia. Aqui ele fala sobre sua descoberta do mais antigo esqueleto de criança humanóide — e como a África possui as pistas de nossa humanidade.


O vídeo possui legenda em português/BR.

Vídeo retirado do canal do Youtube: TED


Transcrição da palestra

Eu tenho 18 minutos para lhes contar o que aconteceu nos últimos seis milhões de anos. Tudo bem. Todos nós viemos de uma longa jornada, aqui na África, e nós convergimos nesta região da África, que é lugar onde 90% do nosso processo evolucionário ocorreu. E eu digo isto, não por que eu seja Africano, mas é na África que você encontra a primeira evidência de ancestrais humanos, traços de alguém caminhando ereto, e até mesmo as primeiras tecnologias, na forma de ferramentas de pedra. Então todos nós somos africanos, e sejam bem-vindos de volta ao lar.

Eu sou um paleantropologista, e meu trabalho consiste em definir o lugar do homem na natureza e explorar o que nos faz humanos; e hoje eu vou utilizar Selam, a primeira criança que foi descoberta, para contar uma história que é a de todos nós. Selam é nosso mais completo esqueleto de uma menina de três anos, que viveu e morreu 3,3 milhões de anos atrás. Ela pertence à espécie chamada Australopithecus afarensis. Você não precisa memorizar isto. Esta é a espécie da Lucy, e ela foi encontrada pelo meu grupo de pesquisa em dezembro de 2000, em uma área chamada Dikika. Fica na parte nordeste da Etiópia. E Selam significa paz em várias línguas etíopes. Nós usamos este nome para celebrar a paz na região e no planeta. E o fato de que isto foi história de capa de várias revistas famosas, eu penso, já lhes dá uma ideia da importância dela.

Zeresenay Alemseged and Selam

Depois que eu fui convidado por TED, fiz alguns trabalhos de escavação porque isto é o que nós fazemos, para saber algo sobre meu anfitrião. Você não sai por aí aceitando imediatamente um convite. E eu aprendi que a primeira tecnologia apareceu na forma de ferramentas de pedra 2,6 milhões de anos atrás. O primeiro modo de entretenimento vem de evidências de flautas que têm 35.000 anos. E evidência do primeiro projeto vem de 75.000 anos atrás: miçangas. E você pode fazer o mesmo com seus genes e rastreá-los de volta no tempo. E então a análise dos humanos e chimpanzés existentes nos ensina, hoje, que nós divergimos há cerca de sete milhões de anos, e estas duas espécies compartilham 98% do mesmo material genético. Eu penso que saber isto é um contexto muito útil, no qual nós podemos pensar sobre nossa ancestralidade.

No entanto, desta maneira, a análise nos informa apenas sobre o começo e o fim, nada nos informando sobre o que aconteceu no meio. Portanto, para nós paleoantropólogos, nosso trabalho é encontrar evidência sólida, a evidência fóssil, para preencher esta lacuna e identificar os diferentes estágios de desenvolvimento. Porque é somente quando você faz isso, que você pode falar sobre como nós parecemos e como nos comportamos em diferentes eras, e como aqueles modos e aparências, e comportamentos mudaram através das eras. Isto então lhe permite explorar os mecanismos biológicos e as forças que são responsáveis por esta mudança gradual que determinou o que nós somos hoje. Mas achar a evidência concreta é uma empreitada muito complicada. Trata-se de uma abordagem sistemática e científica, que vai lhe levar a lugares que são remotos, quentes, hostis e frequentemente sem acesso.

Apenas para lhes dar um exemplo, quando eu fui para Dikika, onde Selam foi encontrada em 1999, e são aproximadamente 500 km de Adis Abeba, a capital da Etiópia. Levamos apenas sete horas para cobrir os primeiros 470 km dos 500 km, mas nos tomou quatro horas inteiras para os demais 30 km. Com a ajuda de moradores e usando apenas pás e picaretas, eu abri meu caminho. Eu fui a primeira pessoa a, na verdade, dirigir um veículo até aquele ponto. Quando você chega lá, isto é o que você vê; e é a vastidão do lugar que faz você se sentir indefeso e vulnerável. E uma vez que você chega lá, a grande questão é: por onde começar? E você não encontra nada por anos e anos.

Quando eu vou a lugares como este, que são sítios paleontológicos, é como se fosse ir a uma reserva de caça, uma reserva de caça extinta. Mas o que você encontra não são resquícios humanos, como Selam e Lucy, quotidianamente. Você encontra elefantes, rinocerontes, macacos, porcos etc. Mas você poderia perguntar: como é que estes grandes mamíferos poderiam viver neste ambiente deserto? Claro, eles não podem, mas eu já digo que o ambiente e a capacidade de sustentar vida desta região eram drasticamente diferentes do que nós temos hoje. Uma lição ambiental muito importante poderia ser aprendida a partir disto. De qualquer forma, uma vez que chegamos lá, é uma reserva de caça, como disse: uma reserva de caça extinta. E nossos ancestrais viviam naquela reserva de caça, mas eles eram apenas a minoria. Eles não eram tão bem-sucedidos e tão onipresentes como nós, Homo sapiens.

Apenas para lhes dar um exemplo, uma estória sobre a raridade de nossos ancestrais, eu estava indo a este lugar todos os anos e fazia trabalho de campo aqui, e os assistentes, é claro, me ajudavam a fazer as pesquisas. Eles encontrariam um osso e me diriam: “Aqui está o que você está procurando”. E eu dizia: “Não, isto é um elefante”. Novamente, um outro: “Isto é um macaco”, “Isto é um porco” etc. Então um dos meus assistentes, que nunca havia ido à escola, me disse: “Escute, Zeray, ou você não sabe o que você está procurando, ou você está procurando no lugar errado”. E eu falei: “Por quê?” “Porque havia elefantes e leões, e as pessoas ficaram com medo e foram para outro lugar. Vamos procurar em outro lugar”. Bem, ele estava muito cansado, e isto é realmente fatigante.

Foi então que, após tanto trabalho duro e muitos anos de frustração, nós encontramos Selam, e aqui vocês podem ver a face dela coberta de arenito. E aqui está, na verdade, a espinha dorsal e o tronco todo encapsulado em um bloco de arenito, porque ela foi enterrada ao lado de um rio. O que vocês têm aqui parece não ser nada, mas isto contém um volume inacreditável de informação científica,que nos ajuda a explorar o que nos faz humanos. Este é o primeiro e mais completo ancestral humano juvenil a ser encontrado na história da paleoantropologia – uma peça extraordinária de nossa longa, longa história. Éramos eu e mais três pessoas, e eu estou tirando as fotografias, por isso eu não apareço.

Como você se sentiria se você estivesse no meu lugar? Você tem algo extraordinário em suas mãos, mas você está no meio do nada? O sentimento que eu tive foi de uma alegria calma e profunda, e excitamento, claro, acompanhada de um enorme senso de responsabilidade, e a necessidade de garantir que tudo estivesse seguro. Aqui está um close-up do fóssil depois de cinco anos de limpeza, preparação e descrição; algo que foi muito demorado, e tive que extrair os ossos do bloco de arenito que lhes mostrei no slide anterior. Isto levou cinco anos. De certa forma, isto foi como o segundo nascimento para a criança, após 3,3 milhões de anos, mas o trabalho de parto foi muito longo. E aqui está em tamanho real: é um pequeno osso. E no centro está o ministro de turismo da Etiópia, que veio visitar o Museu Nacional da Etiópia enquanto eu trabalhava lá. E vocês podem me ver preocupado, tentando proteger minha criança, porque você não deixo uma criança como esta aos cuidados de ninguém, nem mesmo de um ministro.

Então, uma vez que você tenha feito isto, o próximo passo é saber do que se trata. Uma vez que isto foi feito, então foi possível fazer comparações. Nós fomos capazes de dizer que ela pertenceu à árvore da família humana porque suas pernas, seus pés, e algumas características, indicavam claramente que ela andava ereta; e caminhar ereto é uma marca registrada da humanidade. Mas, adicionalmente, se você compara o crânio com um análogo chimpanzé de mesma idade e o pequeno George Bush aqui, você vê que você tem uma fronte vertical, e você vê isto nos humanos, por causa do desenvolvimento do córtex pré-frontal, como é chamado – mas você não o identifica nos chimpanzés, você não vê esta pronunciada projeção canina. Então ela pertence à árvore de nossa família, mas dentro dela, claro, você faz uma análise detalhada, e nós sabemos agora que ela pertence à espécie da Lucy, conhecida como Australopithecus afarensis.

A próxima questão fascinante é: trata-se de menina ou menino? E que idade tinha quando morreu? Você pode determinar o sexo do indivíduo baseando-se no tamanho dos dentes. Como? Vocês sabem, nos primatas, há este fenômeno chamado dimorfismo sexual, que significa simplesmente que os machos são maiores que as fêmeas, e os machos têm dentes maiores que as fêmeas. Mas para fazer isto, você precisa da dentição permanente, a qual você não vê aqui porque o que você tem aqui são os dentes de leite. Mas utilizando a tecnologia de tomografia computadorizada, a qual normalmente é utilizada para fins médicos, você pode ir mais fundo na boca, e obter esta bela imagem mostrando os dentes de leite aqui e os da segunda dentição, ainda crescendo, aqui. Então, quando você mede aqueles dentes, está claro que ela nasceu para ser uma menina com caninos muito pequenos. E para saber quantos anos ela tinha quando morreu, o que você faz é: você faz uma estimativa baseada em dados e você diz quanto tempo seria necessário para formar este tamanho de dentes, e a resposta é que seriam três anos. Então esta garota morreu quando ela tinha cerca de três anos, há 3,3 milhões de anos.

Então com toda esta informação, a grande questão é: o que realmente sabemos e o que ela nos diz?Para responder a esta questão, nós podemos formular uma outra questão: O que nós, na realidade, sabemos sobre nossos ancestrais? Nós queremos saber qual era a aparência deles, como eles se comportavam, como eles caminhavam pelo seu habitat, e como eles viviam e cresciam. E entre as respostas que você obtém deste esqueleto se inclui: primeiro, este esqueleto documenta, pela primeira vez, como era a aparência de crianças, três milhões de anos atrás.

E segundo, ela nos diz que ela andava ereta, mas possuía alguma adaptação para subir em árvores. E o mais interessante, entretanto, é que o cérebro nesta criança ainda estava em crescimento. Aos três anos, se você tiver um cérebro ainda em crescimento, isto indica uma característica humana. Nos chimpanzés, aos três anos, o cérebro está cerca de 90% formado. É por isso que eles podem lidar com o ambiente deles muito facilmente depois do nascimento – mais rápido que nós, de qualquer forma. Mas nos humanos, nossos cérebros continuam a crescer. É por isso que nós precisamos de cuidado por parte de nossos pais. Mas este cuidado significa também um aprendizado. Você passa mais tempo com seus pais. E isto é muito característico dos humanos, e é chamado infância, o que implica nesta dependência extrema das crianças na família ou nos pais. Então, o fato de o cérebro, neste indivíduo, ainda estar em crescimento nos diz que a infância, a qual requer uma inacreditável organização social, uma organização social muito complexa, surge há cerca de três milhões de anos atrás.

Então por estar no ápice de nossa história evolucionária, Selam unifica-nos a todos, e nos dá uma perspectiva única daquilo que nos faz humanos. Mas nem tudo era humano, e eu lhes darei um exemplo fascinante. Este é o osso chamado hioide. É um osso que está bem aqui. Ele apóia sua língua por detrás. É, de certa maneira, a sua caixa de voz. Isto determina o tipo de voz que você emite. Isto não era conhecido no registro fóssil, e nós o temos neste esqueleto. Quando nós fizemos a análise deste osso, ficou claro que ele tinha a aparência típica de chimpanzés. Então se você estivesse lá, 3,3 milhões de anos atrás, para ouvir quando esta menina estivesse chorando por sua mãe, ela deveria soar mais como um chimpanzé do que como um humano. Talvez você esteja se perguntando: “Então você vê esta característica símia, característica humana, característica símia. Que ela nos conta?" Você sabe, isto é fascinante para nós, porque isto demonstra que as coisas estavam mudando vagarosa e progressivamente, e que a evolução estava em processo.

Para resumir a importância deste fóssil, nós podemos dizer o seguinte: Até agora, o conhecimento que tínhamos sobre nossos ancestrais vinha essencialmente de indivíduos adultos porque os fósseis, os fósseis dos bebês, estavam faltando. Eles não se preservam bem, como vocês sabem. Então, o conhecimento que nós tínhamos de nossos ancestrais da aparência deles, de como eles se comportavam, era como que direcionado para os adultos. Imagine alguém vindo de Marte, cujo trabalho é reportar sobre o tipo de pessoa que ocupa nosso planeta Terra, e você escondesse todos os bebes, as crianças, e ele regressa e reporta. Você pode imaginar quão parcial seria seu relatório? Isto é o que, de alguma forma, nós estávamos fazendo até agora na ausência de fósseis de crianças; então eu penso que o novo fóssil resolve este problema.

Então, eu penso que a questão mais importante no final é: o que nós na verdade aprendemos de espécimes como esta, e de nosso passado em geral? Claro, além de extrair este volume enorme de informação científica sobre o que nos faz humanos, vocês sabem, os vários ancestrais humanos que existiram pelos últimos seis milhões de anos (e há mais de dez deles), eles não tinham o conhecimento, a tecnologia e as sofisticações que nós, Homo sapiens, temos hoje. Mas se esta espécie, digo, as espécies passadas viajassem no tempo e nos vissem hoje, elas estariam muito orgulhosas do seu legado, porque elas se tornaram as ancestrais da espécie mais bem-sucedida no universo. E elas provavelmente não estavam a par deste legado futuro, mas elas tiveram sucesso. A questão agora é: nós, Homo sapiens, hoje estamos em condições de decidir sobre o futuro do nosso planeta, possivelmente sobre muito mais. Então a questão é: nós estamos preparados para o desafio? E podemos nós, de verdade, fazer melhor do que estes ancestrais primitivos de cérebros pequenos?

Dentre os mais urgentes desafios que nossa espécie encara hoje estão os problemas crônicos da África. Não há necessidade de enumerá-los aqui, e há pessoas mais competentes para falar sobre isto. Ainda, na minha opinião, nós temos duas escolhas. Uma é de continuar a ver uma África pobre, doente, choramingando, portando armas, e depende de outras pessoas para sempre; ou promover uma África que seja confiante, pacífica, independente, mas consciente de seus enormes problemas e grandes valores ao mesmo tempo. Eu sou pela segunda opção, e eu tenho certeza de que muitos de vocês também. E a chave é promover uma atitude africana positiva com relação à África.

Isto porque nós, africanos, concentramos (aliás, eu sou da Etiópia), nós nos concentramos demais em como nós somos vistos de qualquer outro lugar, ou de fora. Eu penso que é importante promover, de um modo mais positivo, a forma como nós vemos a nós mesmos. É a isto que eu chamo uma atitude africana positiva. Então, finalmente, eu gostaria de dizer: vamos ajudar a África a caminhar ereta e para a frente. então todos nós poderemos ter orgulho de nosso legado futuro, como espécie.

Essa transcrição do vídeo foi retirado do site: TED

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